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LAURO DE OLIVEIRA LIMA E O ANALFABETISMO Autor: **DIAS**, Marco Aurélio Rodrigues **RESUMO** O objetivo deste trabalho é reforçar que o analfabetismo e a evasão escolar ocorrem por causa da exclusão social, das atitudes antidemocráticas do Estado e da Sociedade e do desamparo em que vivem os mais desfavorecidos. Estudos sobre o desenvolvimento da inteligência demonstram que toda criança pode aprender o ensino formal oferecido nas escolas, exceto nos casos de doença neurológica degenerativa que compromete a memória, o pensamento, o comportamento e a compreensão. O analfabetismo e a evasão escolar são diagnóstico não de deficiência intelectual dos analfabetos, mas da falta de vontade política da Escola, do Estado, da Família e da Sociedade, que não promovem a inclusão e excluem do ensino formal os desfavorecidos. O referencial teórico deste trabalho se sustenta numa conversa que tive com Lauro de Oliveira Lima, o qual desconstruiu, fundamentado em Piaget, a desinformação sobre a inteligência dos indivíduos das classes pobres. **Palavras-chave**: Lauro de Oliveira Lima, Educação, Ensino. **QUEM FOI LAURO DE OLIVEIRA LIMA?** Lauro de Oliveira Lima foi o primeiro pensador a divulgar no Brasil as teorias de Piaget sobre os estágios do desenvolvimento infantil, o processo de construção do conhecimento e o desenvolvimento da inteligência. Também foi um dos principais estudiosos das teorias de Piaget aplicadas á educação (renovada). Saviani (2007) diz que “Lauro de Oliveira Lima, estimulado pela leitura de Didactique psychologique, de Hans Aebli, fez a primeira tentativa de aplicar à Didática a Psicologia de Piaget” (SAVIANI, 2007, P.19). Sobre sua atuação, principalmente na década de 60, e seu engajamento na busca de uma didática condizente com os tempos modernos, Pinto (2008) cita “Lauro de Oliveira Lima, a quem se deve a introdução da teoria psicogenética de Jean Piaget no Brasil, bem como a articulação dessa teoria à Didática” (PINTO, 2008, p. 161, 162). Na mesma direção, Saviani (2007) escreveu que “Lauro se voltou para os estudos piagetianos e passou a denominar sua visão pedagógico-didática de método psicogenético, tornando-se um dos principais divulgadores de Piaget nas escolas brasileiras” (SAVIANI, 2007, p.19). Lauro de Oliveira Lima também ficou conhecido por sua intensa atuação política na defesa da reforma do ensino, nas décadas 1960/1970. **O AMBIENTE DA DITADURA MILITAR** Durante a Ditadura Militar de 64, Lauro de Oliveira Lima criticou as opiniões preconceituosas contra a inteligência dos pobres, e defendeu, embasado nas teorias científicas de Piaget, que pobres e ricos possuem a mesma capacidade cognitiva e podem aprender o ensino formal. Ele defendeu que o analfabetismo se deve ao descaso do Estado, a quem cabe o dever de oferecer ensino gratuito e acabar com as desigualdades, pois, conforme disse Rui Barbosa, “a ignorância popular (é) a mãe da servilidade e da miséria” (BARBOSA, 1883, apud Soares, 2004, p. 88). **O QUE OS UNIVERSITÁRIOS PENSAVAM** No início de 1970, os universitários dialogavam e comentavam as críticas de Lauro de Oliveira Lima ao marasmo da Educação e repudiavam o autoritarismo militar imposto pela repressão. O autoritarismo era imposto, não aceito. Dentro das instituições de ensino do Rio de Janeiro, as equipes gestoras – diretor, professores e inspetores - reproduziam, desde 64, o ambiente de submissão ao regime e perseguição das liberdades, inclusive no curso ginasial e no ensino médio. Mas, com certeza, “é falso e irracional supor que o treinamento para submissão (obediência) cria nos jovens capacidade de liderança” (LIMA, 1976, 179), e, além disso, muito ao contrário, a tarefa do educador é, segundo a compreensão de Lauro de Oliveira Lima (1984), “promover o desenvolvimento das crianças que a sociedade lhe entregou para educar”. Essas discussões haviam entrado nos grêmios escolares e eram dialogadas por grupos de estudantes nas ruas do Rio de Janeiro. **COMO AS CLASSES POBRES ERAM VISTAS** Na década de 1960, o senso comum entendia que os indivíduos das classes pobres não tinham inteligência suficiente para aprender o ensino formal, justificando-se assim o analfabetismo e a grande evasão escolar, concepção inaceitável para Lauro de Oliveira Lima, que, através de entrevistas concedidas a jornais e rádios, tentou desconstruir esse preconceito, tornando-se um líder intelectual que defendeu a educação renovada e alertou que “os problemas se acumulam, e as elites dirigentes revelam-se incapazes de resolvê-los de imediato e a longo prazo” (LIMA, 1969, p.12). “Os problemas” aludidos por Lima eram, segundo dados do IPEA, na década de 1960, 15 964 852 de jovens e adultos analfabetos, o equivalente a 39,6% da população brasileira nessa faixa etária. Deve-se esclarecer que o ensino ruim e o professor desmotivado também excluem e fomentam a evasão escolar e o analfabetismo. **CONVERSA COM LAURO DE OLIVEIRA LIMA** Em 1972, procurei Lauro de Oliveira Lima no seu local de trabalho, no Rio de Janeiro, para uma conversa. Perguntei se havia fundamento na suposição (do senso comum) de que as crianças das classes pobres teriam menos inteligência que as crianças das classes ricas, fato que justificaria o analfabetismo e a evasão escolar. Ele respondeu que o pobre não tem apoio do Estado e nem da família, frequenta os campos de futebol e o Maracanã, enquanto que o rico frequenta a universidade e os cursos de reforço escolar, resultando no grande índice de analfabetismo verificado nas classes desfavorecidas. A questão do analfabetismo e da evasão escolar não se trata de menos inteligência do pobre e mais inteligência do rico, mas da política antidemocrática do Estado, que favorece algumas regiões do país e grupos sociais. Sem dúvida, “só a modificação drástica na concepção de Estado leva um país a mudar sua política de educação” (LIMA, 1969, p.203) e erradicar o analfabetismo, e o Brasil, desde sua constituição republicana está atrasado na política de educação de massa. **O CONHECIMENTO INFORMAL DAS CLASSES POBRES** Lauro de Oliveira Lima argumentou que o analfabeto frequenta apenas por 2 anos o ensino formal, porém entende tudo sobre as regras do Campeonato Brasileiro, a escalação dos times, a pontuação de cada clube dentro do campeonato e as datas dos jogos, pois é nesta área que está colocado o seu interesse; alguns até discutem quais táticas o técnico do seu time deve implementar para melhorar o resultado do clube no Campeonato Brasileiro, e, no próximo jogo, você observa que o técnico fez as mesmas mudanças que o operário sugeriu e comentou com os colegas de torcida. A inteligência das classes pobres está aguçada, mas não motivada para o ensino formal, não apoiada pelo Estado. A desigualdade social é um crime que o Estado Brasileiro vem cometendo geração após geração contra os mais desfavorecidos. **NÃO HÁ DÉFICIT DE INTELIGÊNCIA NO POBRE** Lauro de Oliveira Lima me disse que ao colocarmos o médico e o operário lado a lado para uma conversa, veremos que em entendimento sobre o Campeonato Brasileiro de Futebol, suas regras, a escalação dos times e demais temas, o médico não terá argumentos para acompanhar a inteligência não formal do pedreiro analfabeto; e, igualmente, quanto ao funcionamento do corpo humano, o operário não terá conhecimento científico para manter uma conversa com o médico. Portanto, o analfabetismo e a inclusão dos pobres nos subempregos são decorrentes da desigualdade social e da pouca escolarização das classes mais desfavorecidas. A concepção de que as pessoas das classes pobres seriam menos inteligentes, é um mito, porque o analfabetismo no Brasil não é gerado pela falta de inteligência, mas pela incapacidade do Estado de oferecer educação pública de qualidade, valorizar os profissionais da área e amparar os pobres. **POR QUE COMPARAR MÉDICO E OPERÁRIO?** Lauro de Oliveira Lima usou a figura do médico versus operário porque o futebol, naquela época (década de 1970), tanto quanto o samba, era mais assimilado pelas classes pobres, não pelas classes ricas, e muito menos pelas elites acadêmicas. Lima me disse que não há déficit de inteligência no aparelho cognitivo dos pobres, qualquer pessoa que tiver oportunidade e incentivo para estudar, completar as etapas e frequentar a universidade, concluirá a formação acadêmica. Mas, infelizmente, no Brasil, muitas crianças abandonam os bancos escolares, são criadas nos campos de futebol, não frequentam a universidade e só despertam interesse relativo ao seu pertencimento social. Mas se a criança pobre ficar mais tempo na escola, e não nas ruas, se tiver uma boa acolhida nas entidades de ensino, ingressará na universidade e cursará qualquer ramo da Ciência. No entanto, Lauro de Oliveira Lima escreveu que “a educação que poderia tornar-se um instrumento eficaz na batalha do desenvolvimento se esclerosa em rotinas ultrapassadas” (LIMA, 1969, p.12). **OLHAR CRÍTICO SOBRE A EQUIPE GESTORA** À época, seu olhar crítico sobre a falta de oportunidades das classes pobres para a inclusão escolar, e a opressão sofrida por elas, no viés do preconceito dos órgãos oficiais de educação e das classes políticas, o fez ver que, conforme também entende SNYDERS, referindo-se à obra Lá Reproduction, de Bourdieu e Passeron, p. 70-74, “o papel da escola, a função real e oculta que lhe é destinada, é precisamente esta: a partir dos fracassos escolares dos desfavorecidos, mergulhá-los na humilhação para que não renunciem a uma atitude de humildade”, ou, em outras palavras, para que os “desfavorecidos” se desmotivem e se excluam do processo de educação formal. A escola era seletiva (ou ainda é?), e sua concepção de promover um estabelecimento de ensino ideal consistia em excluir o aluno-problema; a metodologia não era a inclusão democrática de todos. Os professores, os diretores e os inspetores formavam uma equipe especializada em detectar e punir os atos supostamente de indisciplina, coibindo as expressões naturais e espontâneas dos alunos, os quais deviam se comportar padronizadamente, respeitando o silêncio e a imobilidade. **PAULO FREIRE E A EDUCAÇÃO NA DITADURA** As pedagogias conservadoras metiam medo e afugentavam os alunos desmotivados. A escola reproduzia o ambiente das penitenciárias, os alunos eram permanentemente vigiados. Paulo Freire (1996), em resposta a essas práticas educacionais, disse que “o respeito à autonomia e à dignidade de cada um é um imperativo ético e não um favor que podemos ou não conceder uns aos outros” (FREIRE, 1996), e esse “respeito” freiriano não se via nos corredores e nas salas dos estabelecimentos de ensino, na década de 1960. Mas, com certeza, “o professor que desrespeita a curiosidade do educando, o seu gosto estético, a sua inquietude, a sua linguagem; o professor que ironiza o aluno, que o minimiza, que manda que “ele se ponha em seu lugar” ao mais tênue sinal de sua rebeldia legítima” (FREIRE, 1996), não tem condições de se orientar por uma didática libertadora e coerente com a ética, nem pode exigir o respeito dos alunos, e está equivocado com a sua política de ensino e com o objetivo final da profissão de educador. Neste mesmo tom, Lauro de Oliveira Lima (1969) argumentou que a escola não devia continuar excluindo em vez de incluir os alunos, e anteviu que “a ideia de ensino será substituída por uma autoaprendizagem, cabendo ao professor criar situações (animador), em que os jovens se disponham a utilizar a informação de que está prenhe o ambiente”, bem como os conhecimentos prévios que trazem na bagagem. **CONSIDERAÇÕES FINAIS** Aprofundamos a discussão sobre a igualdade de inteligência entre pobres e ricos para aprender o ensino formal e esclarecemos que a desigualdade social coloca os estudantes pobres em desvantagem perante os ricos e é a principal causa da evasão escolar e do analfabetismo entre os pobres. Para Saviani (2007, p.336), “pode-se considerar que a década de 1960 foi uma época de intensa experimentação educativa, deixando clara a predominância da concepção pedagógica renovadora”. Se a década de 1980 foi importante para o desenvolvimento da educação, com novas leis e diretrizes para a implementação da pedagogia renovada e libertadora, as décadas de 1960/1970 foram embrionárias de todos os processos atuais que desafiam e impulsionam a educação brasileira, e Lauro de Oliveira Lima foi um dos responsáveis por impulsionar esses processos, desconstruindo os mitos do senso comum sobre a inteligência e apontando os caminhos futuristas para o ensino de qualidade. **REFERÊNCIAS** FREIRE, Paulo. **Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa.** São Paulo: Paz e Terra, 1996. – (Coleção Leitura). LIMA, L. O. **O Impasse na Educação.** 3. ed. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1969. _______**A Escola Secundária Moderna.** 11. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária 1976. PINTO, A. G. T. Valnir Chagas. In: **Coleção Educadores**. Recife: MEC / Fundação Joaquim Nabuco / Editora Massangana, 2010. SAVIANI, D. **História das ideias pedagógicas no Brasil.** 1. ed. São Paulo: Autores Associados, 2007.
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